quarta-feira, 24 de abril de 2013

IndieLisboa 2013, Dia 6: Um 'monstro' chamado Leviathan

O sexto dia de IndieLisboa ficou marcado por um dos acontecimentos do festival: «Leviathan», de Lucien Castaing-Taylor e Verena Paravel, um documentário experimental sobre a pesca em alto mar. Antes foi tempo de entrar nos quadros de Edward Hopper, através do olhar de Gustav Deutsch, realizador de  «Shirley: Visions of Reality». O dia terminou com mais uma comédia seca (não confundir com secante) sobre questões sociais: «Workers», de José Luis Valle.


De certeza que muitos apreciadores de pintura já terão imaginado, ao olhar para os quadros dos seus pintores favoritos, o que vai na cabeça das 'personagens' representadas. É essa a proposta de Gustav Deutsch em «Shirley: Visions of Reality», um filme protagonizado por uma actriz e que tem como cenários diversos quadros de Edward Hopper (é fácil reconhecer a obra do pintor norte-americano, basta ver a imagem acima, tirada de um dos episódios de «Shirley...»). À partida o novo projecto do realizador de «Film ist a Girl & a Gun» teria tudo para dar um bom resultado.

E resulta, em alguns aspectos, como é o caso da composição dos planos e de uma excelente utilização dos cenários e cores, que fazem de facto lembrar os quadros de Edward Hopper. Ao vermos «Shirley...» temos a sensação de que estamos mesmo a ver os quadros do pintor em movimento. Aí não podemos apontar grandes falhas ao filme, sobretudo se gostarmos das obras de Hopper. O que já não resulta tão bem é o resto. A história de Shirley, interpretada por Stephanie Cumming num registo que por vezes parece demasiado teatral, que se nota mais nas cenas que contam com a presença de outras personagens, é demasiado vaga para preencher a imensidão dos quadros recriados. Uma oportunidade perdida para dar vida a um dos mais emblemáticos pintores do século XX, apesar de não deixar de ser uma obra curiosa.

Classificação: 3/5


Falar sobre «Leviathan» não é tarefa fácil. Apesar de ser considerado como um dos grandes acontecimentos do festival, o documentário realizado por Lucien Castaing-Taylor e Verena Paravel não fazia parte dos planos iniciais de visionamento, por ser um tipo de filme que não me atrai muito: um documentário experimental sobre pesca em alto mar. Mas depois do 'susto' apanhado com «Animal Love», de Ulrich Seidl, lá resolvemos arriscar e trocar a sessão de «Jesus, You Know» do austríaco por «Leviathan». E se a escolha de ver filmes em festivais por vezes é um risco, nunca sabemos bem ao que vamos em certos filmes, este foi um risco que valeu a pena correr.

«Leviathan» não é um filme fácil, mesmo enquanto documentário. Praticamente não tem falas, não há narrador, não há texto a complementar o que vamos ver a não ser um breve trecho bíblico no início do filme, tirado do livro de Job. A partir daqui somos transportados de imediato para alto mar e estamos por conta própria. Se há filmes que devem ser vistos em sala, «Leviathan» é um desses casos. Toda a experiência, tanto a nível visual como sonoro, ganha muito mais força neste contexto. Como alguém dizia no final da projecção, o único 'defeito' do filme é que é demasiado imersivo e poderá por vezes custar um bocado mais a 'aguentar'. É difícil recomendar um filme destes a alguém pois é também um filme que se vai gostar ou odiar. Se nos deixarmos levar pela experiência, sem grandes preconceitos, no final será gratificante, mesmo que continuemos durante algum tempo a matutar sobre o que vimos. Se, por outro lado, não gostarmos, o mais certo é amaldiçoarmos a hora em que entrámos naquele barco. Deste lado a viagem valeu a pena. Mas pelo sim, pelo não deixo uma recomendação à tripulação que decidir arriscar: antes do início da projecção tomem comprimidos para o enjoo.

Classificação: 4/5

Depois de um peso pesado como «Leviathan» a melhor opção foi seguir para uma comédia em tons sérios oriunda do México. «Workers», de José Luis Valle, é mais um dos exemplos de filmes de cariz social que integra a programação deste ano do IndieLisboa. Nele acompanhamos as andanças de Rafael (Jesus Padilla), o empregado de limpeza de uma grande multinacional a quem é negada a reforma porque está ilegal e não tratou dos papéis a tempo, e Lidia (Susana Salazar), empregada doméstica de uma milionária que irá receber parte da herança da patroa apenas quando morrer a sua cadela de estimação. Apesar de nunca se encontrarem, sabemos ao longo do filme que no passado houve uma ligação entre as duas personagens.

Não sendo uma grande obra-prima (e este ano ainda não encontrámos nenhuma no Indie, apesar de já nos termos deparado com muitas obras simpáticas e recomendáveis, como é o caso de «Workers»), esta primeira longa-metragem de José Luis Valle consegue ser uma boa estreia para o cineasta mexicano. Abordando temas sérios de forma leve, «Workers» tem os seus pontos altos nas sequências protagonizadas por Rafael, o empregado perfeito, que faz tudo certinho e cumpre horários até ao dia em que lhe negam os seus direitos. Estas sequências acabam por ser uma crítica à forma como são tratados os trabalhadores em algumas situações. E não há como não estar do lado dele nas duas reuniões com a entidade patronal, que culminam com uma bofetada de luva branca, cerca de dez anos depois daquele que seria o primeiro dia da sua reforma.

Já a história de Lidia acaba por destoar um bocado do resto do filme, sendo mais cómica e com alguns momentos que caem num certo absurdo a partir do momento em que a patroa morre e os empregados que trabalhavam para ela têm de continuar a cuidar do seu animal de estimação para que possam vir a receber parte da herança. Acaba por ser um outro lado da moeda de «Workers», mas menos conseguido, pois ambos podiam ser filmes diferentes. E se fossem, o filme protagonizado por Rafael (mais uma excelente personagem que vai ficar na memória desta edição do festival) é bem melhor.

Classificação: 3/5

2 comentários:

  1. Tal como dizes, Leviathan é um filme para ver em sala. Magnífico, uma das melhores experiências que já tive numa sala de cinema. Dava por mim a não conseguir pestanejar, de tão maravilhado que estava. Quem diria que a pesca em alto mar se tornaria um espectáculo tão belo através daquelas lentes.
    E quanto ao Shirley, creio que me causou melhor impressão a mim :) Gostei bastante e fez-me gostar ainda mais do Hopper.

    Estes dois filmes fizeram o meu dia eheh

    Cumprimentos,
    Rafael Santos
    Memento mori

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    1. O «Leviathan» foi uma experiência enorme, um dos melhores filmes desta edição do Indie para mim. Nem eu estava à espera de ser 'engolido' pelo filme. Só faltou sentir o cheiro do mar.
      Eu não desgostei do «Shirley», mas sinto que falta ali qualquer coisa para me conquistar. Penso que acabou por ser esmagado pela imagética do universo de Hopper.

      Cumprimentos,
      PMF

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